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  • Foto do escritorHélio Miranda Jr

Imunizados pela cloroquina, os comunistas tomarão a terra plana

Teorias conspiratórias sempre existiram. Desde que o gênero homo fala e sonha, criaram-se deuses, mitos e teorias. Entre estas criações, estão as teorias conspiratórias. Algumas vezes restritas a pequenos grupos de lunáticos, outras vezes expandidas para comunidades maiores. Não se pode dizer que essas teorias sejam sempre falsas, afinal existem documentos e projetos secretos em qualquer Estado, em qualquer grande empresa e em toda comunidade que rivaliza com outra. Os segredos da contabilidade, das relações políticas, da espionagem governamental e industrial, das relações pessoais e sexuais fazem parte dos meandros do poder em qualquer sociedade organizada.

Na juventude também compartilhei de algumas teorias em voga na época. A diferença é que não havia internet e não encontrei os grupos que pudessem fomentar as teorias a ponto de me iludirem por muito tempo.

Acreditar é importante. Qualquer crença compartilhada serve para manter os laços sociais. É preciso acreditar. Costumamos acreditar no valor do papel moeda que circulamos, nos ideais políticos que nos representam, nos direitos, na manutenção de um mínimo de respeito para que seja possível a convivência social, nas palavras de amor, nos deuses e nos destinos. A crença é parte do humano. Tem ligação, lembrando Freud, com a fantasia de superar as limitações impostas pela natureza, por nosso próprio corpo e pelas contingências casuais que atravessam nossa vida. Em outras palavras, faz parte da fantasia de superar a castração simbólica e recuperar o narcisismo primário.

Porém, cabe perguntar por que hoje as teorias conspiratórias fazem tanto sucesso e obtém tanto público por tanto tempo? Podemos levantar algumas hipóteses.

Primeiro, somos facilmente seduzidos pela ficção. A interpretação da realidade é sempre -ficcional, depende da linguagem, que é outra realidade. Porém, há limites dados pelos fatos e pela lógica. O terreno que é exceção a isso é o amor. Nele fatos e lógica podem ser minorados - e geralmente o são - em função do afeto.

Segundo, também é sedutor pensar que somos integrantes de um grupo com acesso privilegiado à verdade que está sendo escondida ou distorcida para enganar. Quem pensa assim, entende que ‘sabe’ ou ‘descobriu’ aquilo que os outros ainda não perceberam. Compartilhar com outros a ‘verdade’ por trás das ‘aparências’ é narcisicamente importante. Como nas relações amorosas, acredita-se na palavra que vem do outro que idealizamos, mesmo que ele seja somente o representante de um ser incorpóreo e algumas vezes até anônimo.

Terceiro, a rapidez da circulação dessas informações pelos meios digitais na internet – algumas vezes produzidas deliberadamente para manipular as interpretações dos fatos por meio de distorções de narrativas e de imagens - favorece a formação de grupos cujos integrantes se identificam entre si e possibilitam o sentimento de pertencimento e de compartilhamento de ideais e objetivos comuns. O laço fraterno, que também é uma forma de amor, é aqui relevante.

Mas Terra plana? Hidroxicloroquina e fumaça de solda contra a Covid-19? Comunismo no Brasil? Mamadeira de p...?

O que se constata é que não se trata apenas de corrigir informações por meio do combate à produção de notícias falsas e oferecimento de dados corretos. O problema não é somente cognitivo, mas afetivo também. A crença compartilhada toca o sujeito profundamente, mobiliza seu afeto, produz efeitos em seu corpo. Satisfação, prazer, raiva, ódio, pertencimento. Compartilhar as mesmas ideias reduz um pouco a estranheza que existe no outro e o torna mais semelhante. Assim fica mais fácil amar o semelhante, ao preço, porém, de odiar o diferente. O sujeito imbecilizado se sente sábio junto a outros imbecilizados. Mais uma vez, o ótimo Duke nos brinda com uma imagem e algumas palavras que traduzem isso.

Qual a solução? Não há. Mas mesmo quem sabe disso continuará acreditando na educação - a que faz pensar, é bom que se diga - e na possibilidade de acesso à informação diversa e criteriosa para o maior número de pessoas possível.


* imagem disponível na internet

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