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Hélio Miranda Jr

Os militares e o pai da nação

Recentemente, um general veio a público esclarecer o que já se sabia. Ele, autorizado por outros generais, ameaçou (ou admoestou, como preferem alguns) o STF durante o julgamento do habeas corpus de um político de relevância nacional. As mensagens postadas pelo general em rede social tentavam indicar a importância de diferenciar “quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais” e afirmavam que o Exército “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

Mais uma vez, a ameaça militar de se colocar acima da lei que acreditamos reger nosso laço de convivência no modelo das modernas democracias.

A participação dos militares na história brasileira é relevante. São muitos fatos históricos importantes. Porém, no momento que vivemos, três vêm à lembrança com mais facilidade.

O primeiro é o golpe militar que instalou a República, chamado didaticamente de “proclamação”. O segundo é o golpe militar que instaurou a República Nova em 1930, chamado de “revolução”. O terceiro é o golpe militar que instaurou o regime de exceção em 1964, nomeado pelos próprios militares também como “revolução”.

O contexto de cada um desses golpes está relacionado às circunstâncias históricas, sociais e econômicas de cada época e gerou efeitos diversos, que podem ser avaliados de muitas maneiras diferentes. O golpe de 1930, por exemplo, representou a mudança do modelo de desenvolvimento no Brasil e simultaneamente significou a implantação de uma ditadura que quase levou o Brasil a se aliar ao Eixo na Segunda Grande Guerra.

Contudo, o que gostaria de enfatizar aqui é a posição que parte dos militares querem assumir no plano político brasileiro há muito tempo.

O que pode fazer as pessoas acreditarem que estão acima da lei e que podem atuar deste lugar em nome do “bem de todos”?

A primeira parte da questão lembra o pai totêmico freudiano. Porém, todos sabemos que ninguém pode sê-lo, exceto alguns loucos. Por outro, a segunda parte - atuar em nome do “bem de todos” - parece ilustrar duas posições que dizem respeito ao lugar de um pai.

Uma delas seria advogar que, por algum motivo, os militares são os legítimos representantes desse pai e que, por isso, podem se colocar acima da lei para fazer funcionar a lei. Que fantasia é esta?

A outra, na contiguidade dessa fantasia coletiva, parece acreditar que os militares (ou parte deles) seriam um tipo de elite ilustrada cujas prerrogativas são conhecer o bem e a verdade - ou a verdade do bem - e por isso poderiam impor o caminho “correto”.

Tratar a res publica assim é considerar que o público não sabe tratar a res por si próprio, que a sociedade é infantil, imprudente, que desconhece as consequências de suas decisões e precisa de direção, mesmo que à força.

Até quando será assim no Brasil?

A arte de Laerte marca esse ponto repetitivo de uma longa e atual história em seis quadrinhos.

É claro que não se trata de “psicanalisar” esses militares. Sempre há uma conjunção de interesses político-econômicos que sustentam os grupos e dos quais nem sempre temos clareza no momento dos acontecimentos. Porém, talvez possamos dizer que entre muitos militares brasileiros haja um vínculo de identificação baseado nessa fantasia, nesse ideal coletivo, que esconde o outro lado do pai, muito relevante para a teoria e a clínica psicanalíticas: o seu gozo, seu capricho, aquilo que resta não simbolizado e que se traduz, muitas vezes, na transgressão da lei, na perversão.

Pior é que não são somente militares que acreditam ser os legítimos representantes do pai. Entre muitos movimentos religiosos atuais há cada vez mais grupos interligados por essa fantasia. Talvez não seja à toa que Freud, ao analisar os movimentos de massa, tenha utilizado o exército e a igreja como exemplos importantes.

Até onde isso pode chegar nessas terras subdesenvolvidas?


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1 Comment


rubensfn
Mar 01, 2021

Muito bom, Hélio! Espero que a evidente incompetência do presidente atual acorde muitos dos eleitores identificados com ele e que também percebam praticamente o perigo que nos ronda vindo a optar por outros caminhos de maior liberdade.


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