É preciso amor ao saber para ser professor, é preciso endereçar a algum lugar a resposta sobre o objeto, supor um saber articulado em algum lugar no espaço e no tempo. A questão que se apresenta neste campo – do ponto de vista da psicanálise - é a mais típica do discurso universitário: o saber vela a alienação do sujeito na falação repetitiva dos significantes em torno do objeto. Neste campo levam mais vantagem as ciências ‘duras’, pois quando um pesquisador monta uma nova operação que repercute de modo efetivo na realidade, parece ter criado algo novo que vela mais facilmente a castração, se compararmos às descobertas e invenções científicas aos debates ideológicos das chamadas ciências sociais e humanas.
A castração, porém, não se deixa camuflar sem um preço: o gozo. Aí chegamos a outra dimensão: O saber como meio de gozo. Este deveria ser um tema intrínseco à universidade. “Pensar não é em si uma doença, mas há aqueles a quem isso pode deixar doente”, dizia Lacan. Tomado pelo viés fálico, facilmente o saber se torna na universidade meio de demonstração de potência e dessa forma pode se tornar também um modo de gozo que opera calando a divisão do sujeito, mesmo que os limites próprios da castração sejam apontados vez por outra naquilo que chega aos sujeitos como sua mensagem invertida.
Quão confortável é a atitude dos mestres que dizem saber exatamente o que ensinam e, portanto, o que cobrar de seus alunos. Para nós, psicanalistas na academia, o saber articulado como conhecimento pode e deve ser cobrado, pois estamos na universidade e sem a lógica típica da ciência não se caminha na psicanálise. Porém, toda teoria é uma forma de defesa contra o horror da castração. Por isso, a tarefa que nos imbuímos é a de mostrar como a teoria é insuficiente, afinal a verdade possui outro estatuto e outro lugar. Ela não está nos significantes, também não está no registro imaginário, nem no real. Ela está entre eles.
No meio de um semestre, uma aluna me procurou depois de uma prova em teoria psicanalítica para tentar explicar o fato de que dias antes ela tinha dito, ao sair da sala depois das aulas, que a psicanálise a irritava. A aluna tinha concluído que tal irritação se devia ao fato de que ‘as coisas não fechavam’, não se acumulavam como nas outras matérias que estudava. Ela disse que isso a incomodava muito, mas que terminou no momento em que ela percebeu ‘que era assim mesmo’.
No texto de sua ‘prova final’, na qual eu elaborei uma questão aberta que incitava os alunos a escreverem de uma forma mais livre, ela deixou registrado o seguinte trecho que reproduzo aqui: ‘Enfim, o que aprendi sobre a teoria psicanalítica é que começar a trilhar este caminho significa andar muito sem saber se há um lugar para se chegar, ainda assim a caminhada me parece instigante e fascinante’.
Sabemos que todo conhecimento novo, para quem quer aprender, pode deixar impressões assim, pode excitar o desejo de ir além. A diferença com a psicanálise é que não há promessa implícita no saber e penso que isso ficou marcado na imagem de uma caminhada na qual não se sabe se há lugar para chegar. Muitas vezes, na experiência analítica, a verdade está na questão e não na resposta.
Conhecer é fundamental, mas amar o saber implica que conheçamos a sua impossibilidade. A verdade está lá fora.
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